Não consigo passar feedback para minha liderança, o que fazer?
- Gisele dos Anjos

- 31 de jul.
- 4 min de leitura
Quando a voz trava diante do poder e o silêncio começa a pesar mais que o incômodo
Nem sempre é medo. Às vezes é cautela emocional. Às vezes é o corpo tentando prever todas as possíveis reações antes mesmo da fala acontecer. Em outras, é puro desgaste. Porque quando o histórico de diálogo com a liderança já teve tons de defesa, minimização ou punição velada, o sistema de proteção entra em cena antes mesmo da conversa começar.
O que muitas empresas ainda ignoram é que dar feedback para lideranças não é só uma questão de soft skill individual. É sobre o quanto a organização criou, ou não, uma cultura de confiança relacional real. E quando essa base não existe, até pessoas maduras emocionalmente sentem o impacto da assimetria de poder no corpo. O cérebro interpreta como ameaça, ativa o sistema límbico, e em milésimos de segundos o raciocínio lógico se embaralha. A voz embarga. O tom suaviza demais ou endurece rápido demais. A tentativa de diálogo vira campo minado interno. E o silêncio, mesmo custando caro, parece mais seguro do que a exposição.
Na Psicologia Organizacional, esse bloqueio está relacionado a dois fatores principais: ausência de segurança psicológica (conceito trabalhado por Amy Edmondson) e um baixo grau de maturidade comunicacional da liderança. Quando a escuta do líder está voltada ao controle, ao ego ou à performance pessoal, o ambiente se torna avesso ao confronto honesto. E sem confronto, o desenvolvimento coletivo empaca. As relações empobrecem. A inteligência coletiva se retrai.
Outro ponto negligenciado é a diferença de níveis de maturidade emocional nos vínculos de trabalho. Uma pessoa mais diferenciada emocionalmente consegue sustentar o desconforto de um conflito sem desorganizar o vínculo. Já uma liderança pouco diferenciada tende a tomar feedback como ataque, reage de forma defensiva, passivo-agressiva ou até retaliadora. Isso compromete o vínculo, mas também a cultura de accountability, que deveria ser mútua, e não apenas descendente.
Além disso, vale observar se a empresa tem clareza sobre seu nível de maturidade organizacional em relação à comunicação. Empresas em estágios mais operacionais costumam confundir feedback com crítica ou queixa, favorecendo uma lógica de silenciamento. Já culturas mais estratégicas e sistêmicas criam rituais de escuta e mecanismos de reparo. Isso não acontece por sorte. É intencionalidade cultural.
Mas o que fazer quando a cultura não favorece, a liderança não escuta, e ainda assim há algo que precisa ser dito?
Antes de tudo, vale lembrar que feedback não é só fala, é também contexto. E entender o terreno ajuda a traçar estratégias mais cuidadosas.
Aqui vão alguns caminhos possíveis:
1. Avalie a estrutura do vínculo com sua liderança - Existe confiança construída? Há espaço real para vulnerabilidade ou tudo precisa ser filtrado estrategicamente? O primeiro passo é mapear a qualidade relacional, não apenas a hierarquia.
2. Nomeie o que está sendo evitado - Muitas vezes o bloqueio não está na fala, mas no medo da consequência. Rejeição? Desvalorização? Exposição? Injustiça? Ao nomear o que está em jogo emocionalmente, o campo mental se organiza melhor. E o autocuidado se torna mais claro.
3. Teste o terreno com pequenas devolutivas indiretas - Em vez de partir para um feedback direto, que pode ser ameaçador em culturas imaturas, experimente frases do tipo: “Tenho uma percepção que gostaria de compartilhar, posso trazer?” ou “Você gostaria de saber como essa decisão foi percebida pela equipe?” Essas falas abrem o campo da escuta sem acusar.
4. Use a técnica da observação + impacto + valor comum - Evite julgamentos. Traga uma observação concreta, diga o que isso gerou em você ou na equipe e associe a um valor que a empresa diz prezar. Exemplo: “Quando mudanças são feitas sem alinhamento prévio, percebo mais ruído entre áreas e queda de engajamento. E como valorizamos colaboração, pensei em trazer isso.”
5. Regule o corpo antes de entrar na conversa - Cuide para manter a regulação emocional equilibrada. Técnicas de respiração, escrita prévia, mentalização de possíveis reações. Tudo isso ajuda o cérebro a sair do estado reativo e entrar no campo da intencionalidade.
6. Se necessário, use canais formais ou mediação - Em ambientes com baixo preparo emocional, canais de RH, PDI (plano de desenvolvimento individual) ou avaliações estruturadas podem ser recursos mais seguros para inserir temas difíceis.
E se, mesmo com tudo isso, a liderança insistir em se proteger do que precisa ser visto, vale fazer uma pergunta silenciosa, mas crucial: qual o impacto de continuar engolindo isso todos os dias?
Expressar-se no trabalho não deveria ser um ato de coragem isolada. Mas enquanto ainda for, que seja com inteligência relacional, suporte emocional e autorrespeito. Falar sem perder a si mesmo é um treino. E também uma forma de resistir à cultura do medo com maturidade.
Porque a forma como uma liderança reage ao feedback revela mais sobre ela do que sobre você. E ninguém deveria adoecer tentando ensinar alguém a escutar.
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